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Por que é importante a governança corporativa para startups e scale-ups?

Se para grandes corporações a governança é um tema essencial a ser abordado, para pequenas empresas o assunto parece um pouco intimador (inclusive, discutimos o tema no artigo “É possível adotar a governança em PMEs?”). E o que falar da Governança Corporativa para startups e scale-ups?

Por definição, startups são modelos de negócios escalonáveis e repetíveis. Ao contrário do que muitos pensam, startups não são apenas empresas ligadas à tecnologia, mas sim qualquer empresa que tenha altos potenciais econômico, de crescimento e de inovação.

Quando uma startup encontra seu lugar no mercado e atinge um acelerado crescimento e com um produto/serviço bem posicionado, ela passa a ser uma scale-up. Assim, podemos dizer que scale-up é uma startup que atingiu a fase de maturidade e cujo negócio é sustentável.

O caminho para o crescimento não é fácil. Entre validações de produtos e serviços, startups assumem riscos e estão constantemente mudando para adaptarem-se às demandas e tornarem-se atraentes para investidores. Por isso, seja para crescerem com menos riscos e de maneira mais consistente, quanto para serem atrativas, a governança corporativa para startups e scale-ups assume um papel importante.

Neste artigo, abordaremos cada fase atravessada por essas empresas e como a governança pode ser aplicada em cada uma dessas etapas de crescimento do negócio. Para tal, tomamos como base o documento do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) denominado “Governança Corporativa para startups e scale-ups” (acesse aqui). Antes de iniciarmos, reforçamos o conceito de governança definido pelo próprio IBGC:

“Governança corporativa é o sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas”.

Governança corporativa para startups e scale-ups

As fases pelas quais transitam empresas bem-sucedidas e maduras são:

  • Ideação;
  • Validação (Minimum Viable Product, ou MVP);
  • Tração (Product Market Fit, PMF); e
  • Escala.

(Nas duas últimas o negócio passa a ser considerado scale-up)

No documento “Governança Corporativa para startups e scale-ups”, em cada uma dessas etapas a governança é trabalhada em quatro pilares:

  • Estratégia e sociedade;
  • Pessoas e recursos;
  • Tecnologia e propriedade intelectual;
  • Processos e accountability.

Fase de ideação

Ideação ou hipótese é a fase na qual a startup trabalha no problema a ser solucionado. A ideia começa a ser desenvolvida nesta etapa e geralmente conta com duas ou mais pessoas que se unem para formar a empresa no futuro.

A governança corporativa para startups e scale-ups na etapa de ideação é extremamente importante, uma vez que decisões tomadas na fase embrionária definirão os passos no futuro. Basicamente, de acordo com o documento do IBGC, na etapa de ideação é recomendável:

  • Estruturar os papéis e as responsabilidades dos sócios;
  • Especificar as formas de contribuição e a intensidade de dedicação, a remuneração e futura participação dos sócios;
  • Definir opções de saída e descontinuidade;
  • Garantir a titularidade da propriedade intelectual da sociedade e o alinhamento entre os sócios, o processo de tomada de decisão e a construção de consenso.

Partindo dos pilares, temos:

Estratégia e sociedade

Enquanto alguns sócios aportam capital, outros partem para a mão na massa. É normal, nesse início, que haja uma diferença no tempo dedicado ao negócio por parte de cada sócio. A fim de evitar problemas no futuro, cada sócio deve estabelecer como agregará à sociedade: com capital financeiro ou intelectual, especificando aportes financeiros e o tempo disponível.

Outro ponto a atentar aqui é definir o fôlego do negócio. Para isso, deve-se estabelecer a capacidade financeira pessoal e individual para o período pré-operacional e para quando a empresa operar no vermelho. Isso é de suma importância, pois uma dificuldade financeira atravessada por um dos sócio pode resultar em decisões contrárias aos interesses do negócio no médio e no longo prazo.

É também fundamental definir opções de retirada e/ou ingresso de sócios. Igualmente importante é formalizar as principais tratativas dos fundadores em um documento, conhecido como founders agreement. Apesar de ser um documento sem formalidade, conforme explica o IBGC “o acordo escrito serve de base para os documentos societários relacionados com a efetiva constituição da empresa e ajuda a consolidar uma cultura de alinhamento societário de longo prazo”.

Pessoas e recursos

Na etapa inicial de uma startup é comum que os próprios fundadores sejam também os colaboradores do negócio. Para os casos de empreendedores individuais, o IBGC recomenda avaliar a conveniência de se empreender como um único sócio. “Caso se pretenda trilhar esse caminho, o risco de continuidade em um projeto unipessoal pode, por exemplo, dificultar o acesso a recursos financeiros de investidores”, alerta.

Tecnologia e propriedade intelectual

A proteção da propriedade intelectual pode ser tratada no founders agreement ou em contrato particular entre os fundadores. É importante também estabelecer um acordo de confidencialidade durante a participação dos envolvidos no projeto.

Processos e accountability

O pilar de processos e accountability na governança corporativa para startups e scale-ups em fase de ideação recebe ainda pouca atenção. Isso porque os processos internos e a prestação de contas ainda podem ser feitos de maneira simplificada, restrita aos próprios sócios. Com relação às finanças recomenda-se já no início um controle de caixa com registro de entradas e saídas, revisado periodicamente e projetado para curtos períodos de tempo.

Fase de validação

Também conhecida como fase do Minimum Viable Product (MVP) na fase de validação o produto (Mínimo Produto Viável) está em experimentação. Aqui a empresa já está formalizada e busca respostas para as incertezas mapeadas. Proposições e suposições definidas na etapa de ideação são testadas. É comum a startup contar com o apoio de mentores e advisors de forma mais frequente.

De acordo com o documento do IBGC, o papel da governança nesta etapa é o de:

  • Constituir a empresa e organizar regramentos quanto a direitos e deveres dos sócios, incluindo as primeiras reflexões sobre o propósito da organização;
  • Organizar práticas referentes a potenciais empregados-chave e a relação com clientes e parceiros estratégicos;
  • Manter controles internos e indicadores mínimos adequados para apuração de resultados e eventual prestação de contas a terceiros.

Quanto aos pilares, temos:

Estratégia e sociedade

Neste pilar, o founders agreement pode ser revisado e desdobrado em dois novos documentos: o estatuto (ou contrato social) e o acordo de sócios. A partir desta fase é fundamental segregar as contas de cada sócio e evitar movimentações financeiras da empresa por meio de contas bancárias pessoais.

Ainda sobre os papéis, é de suma relevância entender os papéis de investidor, de sócio e de executivo, cada um sujeito a interesses específicos. “Ainda que os fundadores exerçam os papéis de sócio e de executivo simultaneamente, é muito importante saber quando vestir um ou outro”, aponta o IBGC.

Cabe ainda discutir como será tratada a situação de saída de um sócio que exerça cargo executivo. Por exemplo: o profissional pode se afastar do dia a dia da empresa e continuar apenas como sócio? Em caso de falecimento ou de divórcio dos sócios: como será a participação e/ou o envolvimento dos herdeiros ou do ex-cônjuge no processo de tomada de decisões da startup?

Assim como a saída de sócios é abordada, deve-se também definir como será o ingresso de novos sócios e/ou investidores. Especialmente na busca pela captação de recursos, é natural que a sociedade conte com novos sócios e que haja a diluição da participação dos fundadores.

Novos investidores costumam exigir alguns direitos. Por isso, a sugestão do IBGC é a que, “a cada rodada de investimento, seja redigido um único contrato de investimento com os direitos e deveres de cada parte (empreendedores e cada um dos investidores, incluindo aqueles das rodadas anteriores de aporte). Esse novo contrato pode substituir integralmente os contratos anteriores e, assim, estabelecer direitos e deveres diferentes para cada tipo de investidor”.

Pessoas e recursos

Ao contrário da fase de ideação, na de validação já existem outros profissionais envolvidos além dos sócios. Com o objetivo de atrair e reter talentos, é comum começar a avaliar a possibilidade de constituição de option pools e contratos de opções de compra de ações (stock options). Por estar ainda num estágio de desenvolvimento inicial, é natural que a atração de pessoas-chave para o negócio seja estimulada e negociada com esse tipo de contrapartida. Para que os funcionários tenham direito a uma fatia de participação na sociedade, a condição mais comum é a exigência de um tempo mínimo de trabalho na empresa.

Existem também regras de participação societária que estipulam os prazos para a obtenção de participação, as quais são conhecidas como cláusulas de vesting. Durante o período de tempo do vesting são estabelecidos cliffs. Os cliffs são datas ou marcos específicos atingidos pelo profissional. Uma vez alcançados, asseguram o acesso à parcela da participação societária total combinada.

Tecnologia e propriedade intelectual

Confidencialidade e cessão de direitos sobre a propriedade intelectual, quando aplicáveis, são questões a serem tratadas para preservar o valor da empresa. O recomendado é assegurar a propriedade de ativos de propriedade intelectual, como marcas, domínios, softwares e patentes.

Como na fase de MVP a organização foi constituída como empresa, deve-se fazer o registro da propriedade intelectual no nome da organização. Se existem planos de internacionalização, pode haver a necessidade de registrar a propriedade intelectual em várias jurisdições.

Processos e accountability

Sócios devem entender a importância do gerenciamento de caixa e das demonstrações financeiras. Para a governança corporativa para startups e scale-ups na fase de validação, esse é o momento de assegurar a existência de controles internos de apuração de resultados que permitam a prestação de contas a eventuais investidores.

Na parte tributária, é importante entender os regimes de enquadramento fiscal da startup. Existem diferentes maneiras de apurar e de recolher tributos. A escolha do regime fiscal adequado determinará o gasto para realizar esses pagamentos, ou seja, uma maior ou menor carga tributária. Sugere-se que a empresa busque por apoio de especialistas.

Também é nessa fase que deve haver uma formalização de contratos com clientes e o desenvolvimento de termos de uso de softwares.

Fase de tração

A startup passou pelo “vale da morte”. Seu produto/serviço foi validado, razão pela qual essa fase também é conhecida como Product Market Fit (PMF). A empresa agora é uma scale-up, e seus principais desafios são os de conquistar clientes e aumentar o faturamento sem abrir mão dos princípios e valores da organização.

A governança corporativa para startups e scale-ups na etapa de tração busca:

  • Fortalecer o entendimento da diferença entre a posição de sócio e de executivo;
  • Definir alçadas para tomada de decisão, estruturar o conselho (consultivo ou de administração) e
  • Evoluir nas práticas de planejamento e controle do negócio.

Quanto aos pilares, temos:

Estratégia e sociedade

Deve-se deixar clara a diferença entre as posições de sócio e de executivo e estruturar um processo de tomada de decisão. É recomendado fazer um organograma da organização com papéis e responsabilidades estabelecidas (cargos, funções, remuneração e regras de conduta).

Pessoas e recursos

Como a empresa dá os primeiros sinais de solidez, recomenda-se a implantação de um conselho (consultivo ou de administração). O conselho consultivo não possui caráter deliberativo, portanto a decisão final sobre os temas abordados cabe sempre aos sócios/administradores legais da empresa. Ele apoia no planejamento estratégico e, quando tratamos de governança corporativa, pode ser o primeiro órgão para o aprimoramento dos princípios de prestação de contas e transparência.

Já o conselho de administração é definido pelo IBGC como “o órgão colegiado encarregado do processo de decisão de uma organização em relação ao seu direcionamento estratégico. Ele exerce o papel de guardião dos princípios, valores, objeto social e sistema de governança da organização, sendo seu principal componente”.

Perceba que, ao contrário do conselho consultivo, o de administração possui poder para tomar decisões e os seus conselheiros, como administradores, possuem dever fiduciário e prestam contas aos sócios nas assembleias (para saber mais, recomendamos o artigo “Qual é o papel do conselho de administração em uma empresa?”).

Tecnologia e propriedade intelectual

O pilar de tecnologia e propriedade intelectual deve ser amadurecido na fase de tração. Conforme determina o documento Governança Corporativa para startups e scale-ups, “a proteção da propriedade intelectual é cíclica, devendo ser monitorada, organizada e aprimorada de forma constante, de acordo com a evolução dos produtos, dos serviços e do modelo de negócios da scale-up.”

Processos e accountability

Nesta fase deve-se estruturar um modelo de planejamento e gestão orçamentários. Demonstrações financeiras (balanço, demonstração de resultado do exercício, fluxo de caixa e orçamento) devem ser mantidas atualizadas. Essa atualização é fundamental tanto para auxiliar a captação de novos recursos quanto para cumprir exigências legais.

Fase de escala

Na Governança Corporativa de startups e scale-ups, a fase de escala (ou crescimento) significa que a empresa está estabelecida. O desafio é crescer aceleradamente, garantindo a expansão do negócio em termos geográficos, de mercado ou produtos, conforme a pertinência da estratégia da organização.

Conforme o IBGC, o enfoque da governança deve ser:

  • Consolidar práticas de governança que podem auxiliar o negócio a prosperar e a ter a continuidade desejada.

Quanto aos pilares, temos:

Estratégia e sociedade

Como a scale-up já conta com conselheiros consultivos ou de administração que colaboram para o direcionamento estratégico da organização, os fundadores passam a assumir cada vez mais o papel de executivo e vão deixando o papel de sócio.

Na fase de escala, recomenda-se considerar a inclusão de conselheiros externos e independentes nos conselhos. Para a tomada de decisão, a gestão de riscos deve ser adotada. Além dela, é fundamental adotar um código de conduta.

Pessoas e recursos

Recomenda-se a implementação de um plano de sucessão que contemple a formação e capacitação de pessoas para assumir as posições-chave. Programas de stock option pools passam a ser utilizados para atrair profissionais capacitados para o negócio.

Tecnologia e propriedade intelectual

Nesse ponto, a empresa já tomou todos os cuidados para proteger a propriedade intelectual. Mesmo assim, o IBGC recomenda a promoção de um aumento progressivo dessa proteção, com especial atenção para temas como confidencialidade, não competição, proteção aos segredos de negócios e revisão sistemática do investimento no portfólio de propriedade intelectual.

Processos e accountability

Em busca de uma estrutura de governança mais robusta e madura, nessa fase podem ser implantados órgãos de fiscalização e controle complementares. Além do comitê de auditoria, que assessora o conselho de administração, incluem-se aí o conselho fiscal, as auditorias externa e interna e a função de gerenciamento de riscos corporativos e de conformidade.

Ainda, recomenda-se aprimorar a função de relacionamento com investidores, padronizando a forma de divulgação de informações entre seus sócios e investidores. Deve-se também promover uma postura ética em toda a organização.

Conclusão

Ao fim da quarta fase espera-se que a empresa tenha alcançado a maturidade nos quatro pilares, sendo que conforme o documento Governança Corporativa para startups e scale-ups :

  • Primeiro pilar (estratégia e sociedade): a empresa adotou um processo formal de revisão e aprovação da estratégia, assim como implementou um processo de gestão de riscos e compliance, promoveu uma postura ética e criou um código de conduta.
  • Segundo pilar (pessoas e recursos): a empresa implementou mecanismos de atração e retenção de talentos e estipulou um plano de sucessão.
  • Terceiro pilar (tecnologia e propriedade intelectual): avançou na proteção da propriedade intelectual.
  • Quarto pilar (processos e accountability): a empresa possui uma estrutura mais robusta de processos e prestação de contas, por meio da implementação de mecanismos de controles (como a auditoria externa).

Para entender mais detalhadamente sobre cada fase, recomendamos a leitura do documento Governança Corporativa para startups e scale-ups. Além disso, disponibilizamos diversos outros posts com o tema Governança Corporativa. Fique à vontade para acessá-los em nosso blog.

Créditos imagem: Pixabay por rawpixel.

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Patricia C. Cucchiarato Sibinelli
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