custodaeficiencia

Por que repensar a eficiência?

A cultura da eficiência está em praticamente todas as organizações. Que atire a primeira pedra quem não quer ser mais eficiente e conseguir fazer as coisas mais rapidamente. Mas, existe uma armadilha aí: ser eficiente não é o mesmo que ser eficaz, ou seja, “fazer mais rápido” não significa que com toda certeza alguém irá “fazer as coisas certas”.

Ao nos preocuparmos muito em sermos eficientes, é bem provável que nos tornaremos menos eficazes. Ou seja, poderá chegar o ponto em que pararemos de nos concentrarmos nas coisas que realmente importam – o trabalho bem feito ou os projetos que realmente farão a diferença.

Essa reflexão surgiu a partir de um artigo escrito por Roger L. Martin para a Harvard Business Review. Com o título em inglês “Rethinking Efficiency”, o texto nos convida a fazer isto mesmo: a repensar o custo da eficiência.

Que custo seria esse?

Em seu artigo, Martin diz que o custo da eficiência pode ser tão surpreendente a ponto de que empresas tidas como supereficientes criem a desordem social. “O ambiente de negócios resultante é de alto risco, com altos retornos que acabam nas mãos de um número cada vez mais reduzido de empresas e pessoas — um resultado claramente insustentável”, escreve Martin.

Como um dos exemplos, ele conta que no passado as amêndoas eram cultivadas em vários locais nos Estados Unidos. No entanto, observou-se que algumas regiões se mostraram melhores que outras, o que poderia favorecer a economia de escala.

O Vale Central da Califórnia é perfeito para o cultivo de amêndoas e hoje a região produz mais de 80% delas. Isso é, conforme explica Martin citando os biólogos, um exemplo clássico de monocultura. Em outras palavras, “uma única empresa domina a indústria, um único software domina todos os sistemas”.

Todavia, existe um custo da eficiência que pode ser observado. No caso da indústria de amêndoas, um evento climático local extremo ou um vírus pernicioso poderia simplesmente destruir a maior parte da produção mundial.

“Não foi bom para o mundo a Facebook ter usado o poder financeiro de seu negócio central para financiar sua subsidiária, a Instagram, para destruir a Snapchat. Não foi bom a Amazon ter acabado com todos os outros varejistas”, opina Martin.

Quando pensamos em uma indústria, a maneira clássica de imaginarmos sua composição é: uma quantidade pequena de vencedores de um lado, um pequeno número de perdedores (que provavelmente serão eliminados) de outro e muitos concorrentes concentrados na região central.

Em ambientes assim, os maiores ganhos de eficiência são rapidamente apagados enquanto outros os adotam, sendo que, à medida que empresas fracassam, novas organizações as substituem. “Essa forma idealizada de concorrência”, explica o autor, “é exatamente o que a política antitruste procura atingir”.

A regra de Pareto e o custo da eficiência

O autor segue dizendo que o custo da eficiência está no fato de que seus ganhos criam uma vantagem duradoura para alguns atores, mas os resultados respeitam a regra criada pelo nome do economista Vilfredo Pareto (a regra de Pareto, também conhecida como regra 80-20).

Pareto descobriu que 20% dos italianos possuíam 80% das terras de seu país. “Na distribuição de Pareto, a grande maioria das ocorrências se concentra na extremidade de valores mais baixos e a extremidade de valores mais altos se estende indefinidamente”, explica Martin.

Trazendo para o contexto dos negócios, cada vez mais os lucros das indústrias se concentram num pequeno grupo de empresas. Para explicar, o autor conta que 75% das indústrias americanas tornaram-se mais concentradas nos últimos 20 anos. Em 1978, as 100 empresas mais lucrativas captaram 48% dos lucros de todas as empresas de capital aberto juntas, mas em 2015 o percentual foi de 84%.

Continuando nessa linha, o autor conta sobre a indústria de gestão de resíduos dos Estados Unidos. De acordo com ele, existiu uma época em que havia no país milhares de pequenas companhias gestoras de resíduos (coletoras de lixo). Cada uma dessas empresas tinha de um a vários caminhões que atendiam uma certa população em uma determinada área.

A distribuição da lucratividade dessas empresas era o que Martin descreve como “razoavelmente normal”, pois a maioria estava concentrada em torno da média, com algumas empresas maiores altamente eficientes e com lucros mais altos, e algumas mais fracas com lucros menores.

Então surgiu Wayne Huizenga, que fundou a empresa Waste Management (WM).

O caso da Waste Management

Ao analisar a estrutura de custos da WM, Huizenga se deu conta de dois grandes problemas. O primeiro era relacionado à aquisição de caminhões, os quais eram caros (e como eram utilizados intensivamente precisavam ser substituídos com regularidade).

O segundo dizia respeito ao conserto e manutenção. Foi então que Huizenga percebeu algo: se ele adquirisse determinada quantidade de rotas em determinada região, sua empresa poderia dispor de uma alavancagem de compra muito maior com os fabricantes de caminhão e poderia adquirir veículos a preços mais baixos.

Do mesmo modo, a WM poderia fechar oficinas individuais de manutenção e criar uma só, muito mais eficiente. “À medida que ele prosseguia, o efeito — maior eficiência — tornava-se a causa de mais efeito”, relata Martin em seu texto.

Huizenga conseguiu gerar recursos para comprar pequenas empresas de coleta de lixo e, consequentemente, expandiu sua ação em novos territórios. Isso acabou tornando a WM ainda maior e mais eficiente, gerando uma pressão competitiva sobre os pequenos operadores.

Por sua vez, essas pequenas empresas não tinham muita saída a não ser perderem dinheiro ou serem vendidas para a WM. “Como principal ator, a WM capturava os maiores lucros, a Republic Services, concorrente e segunda maior fornecedora de serviços de coleta de resíduos, recebia lucros justos e várias outras empresas pequenas operavam praticamente em nível de sobrevivência. A indústria atual está estruturada como uma distribuição de Pareto, e, como vendedora, a WM leva a maior parte. Em 2017, o lucro da empresa superou US$14 bilhões. Huizenga faleceu multibilionário”, conta Martin.

O que essa história nos mostra?

“O sucesso de Huizenga impôs enorme pressão ao sistema”. Mas, como essa pressão pode nos afetar? Se uma empresa X é eficiente, por que deveríamos nos opor? Faz alguma diferença quem domina o mercado?

Essas perguntas são feitas por Martin, que traz a resposta: “o modelo supereficiente dominante aumenta o risco de um fracasso catastrófico”. Esse “fracasso catastrófico” é o exemplo da monocultura, citado anteriormente neste artigo.

Colocando de outra maneira, o sucesso gera desigualdade (como diz o título de um outro artigo publicado na HBR: Success Breeds Inequality). Seria o mesmo que entendermos, partindo das explicações de Martin, que o sucesso de uma empresa gera desigualdade em todo o sistema. Ou, ainda, é o que nos mostra a regra de Pareto: 20% das organizações de um setor detém 80% do mercado.

Então, seria dizer que eficiência é algo errado para perseguirmos? Jim Hackett, CEO da Ford Motor Company, usa um outro termo que talvez funcione melhor nos tempos atuais: “aptidão para se adaptar”. Em uma entrevista publicada no artigo The Costs of Complexity Are Hard to See (HBR), ele dá um exemplo que explica bem o termo.

Imagine uma corrida na montanha na qual a pessoa A venceu. No outro ano, essa mesma pessoa diz a si mesma que ganhará a corrida novamente. Ela treina para tornar-se mais eficiente, mas, seu treinamento é condicionado ao que ela vivenciou no passado.

Acontece que o ambiente da montanha mudou e essa pessoa não conseguiu adaptar-se. Por consequência, ela perdeu, enquanto a pessoa B foi mais apta em lidar com um cenário instável. Ou seja, a pessoa B foi resiliente.

Resiliência, aliás, é o que o Martin acredita que empresas devem buscar no lugar de eficiência.

Por que trocar eficiência por resiliência?

Voltando ao que Martin escreveu, se pensarmos que em um determinado mercado temos poucos vencedores e muitos perdedores, esses perdedores não viveriam essa posição se tivessem a capacidade de adaptar-se ao ambiente dinâmico.

E isso, como mostra Jim Hackett, não tem a ver com criar processos que sejam mais eficientes, ou recompensar profissionais com base em sua eficiência. Mas, sim, em entender que os custos para ser eficiente podem não valer a pena se a empresa não enxergar o que está a sua volta.

E você, o que pensa sobre o assunto? Se quiser ler os três artigos que usamos como base para este post, acesse este link. Aproveite que está aqui e leia outros conteúdos da Glic Fás no Glicando, o nosso blog.

Créditos imagem: Pixabay por Sigre

Contate-nos

Patricia C. Cucchiarato Sibinelli
  • Diretora Executiva
  • Mentoria em gestão de negócios.
  • Tel: (11) 9 9911 0274